sábado, 5 de fevereiro de 2011

Morada do vento

Alguma coisa estranha

É o paladar da noite

Que no momento se encerra

Com o cuspe da alvorada


Eu sinto o que não sentira

Em anos de solidão resignada e confortável


Meu corpo dolorido

De vida e esperança

De saudade e lembrança

Daquilo que dorme vibrante

E desperta todos os dias

Para mais vibrações de vontade


Eu vejo teu rosto

Em diversos cantos e lugares

Em corpos formosos

Mas sem vida alguma

Nas vitrines exuberantes

Mas sem a graça do teu sorriso


Eu vejo teus olhos

Grandes e guardiães

De todas as luas apaixonadas

Se aproximarem de mim

No escuro impotente e mortífero


Por várias vezes

Sinto teus dedos tocarem meu rosto

No curso do sono inquieto


O fato é que és a caça

A besta voraz e fugitiva

Das minhas vontades desconhecidas


És o que busco em perpétua felicidade

Resides na agonia da companhia

Na doçura da separação

Que aguarda o reencontro


Me furtas as metáforas

Cerceando minha capacidade poética

Me dando apenas o grunhido de verdade

O ronco real dos rostos que se tocam


Me deste instantaneidade de sentir perfeito

Sem a construção lógica e barata

Do sentir fugaz e leviano


Sim, meu bem

Meus segredos são todos teus

Pois minha boca não se fecha

Quando quer te dizer

Minha garganta não se limita

Nem minhas letras tem horizontes.

Em mim pra ti

Nada tem pudor


És a minha falta de vergonha

Os versos que terminam no papel

Mas não param na inspiração


És os versos que sufoquei no proibido

Na jaula da solidão que me é natural

Na ilegalidade do meu âmago


O teu trabalho é a estética

A forma que se dá ao que se habita

Mas tua morada em mim

É tão sem nexo

Tão sem forma

Tão gigante quando tem que ser

E tão pequena para ter tanta leveza


Fraturaste uma fraqueza

Que pensava ser meu sustento

Uma fome exacerbada

Que pensava ser meu alento


É isso

Desmembraste um corpo sólido

Que poderia ser minha saúde

E o transformaste em algo indefinível

Que acompanha o movimento das palavras trocadas


És um vento dinâmico

Que se abriga em qualquer lugar

E a qualquer tempo

Em qualquer lugar que eu esteja

E a qualquer tempo do meu relógio parado.

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