É o paladar da noite
Que no momento se encerra
Com o cuspe da alvorada
Eu sinto o que não sentira
Em anos de solidão resignada e confortável
Meu corpo dolorido
De vida e esperança
De saudade e lembrança
Daquilo que dorme vibrante
E desperta todos os dias
Para mais vibrações de vontade
Eu vejo teu rosto
Em diversos cantos e lugares
Em corpos formosos
Mas sem vida alguma
Nas vitrines exuberantes
Mas sem a graça do teu sorriso
Eu vejo teus olhos
Grandes e guardiães
De todas as luas apaixonadas
Se aproximarem de mim
No escuro impotente e mortífero
Por várias vezes
Sinto teus dedos tocarem meu rosto
No curso do sono inquieto
O fato é que és a caça
A besta voraz e fugitiva
Das minhas vontades desconhecidas
És o que busco em perpétua felicidade
Resides na agonia da companhia
Na doçura da separação
Que aguarda o reencontro
Me furtas as metáforas
Cerceando minha capacidade poética
Me dando apenas o grunhido de verdade
O ronco real dos rostos que se tocam
Me deste instantaneidade de sentir perfeito
Sem a construção lógica e barata
Do sentir fugaz e leviano
Sim, meu bem
Meus segredos são todos teus
Pois minha boca não se fecha
Quando quer te dizer
Minha garganta não se limita
Nem minhas letras tem horizontes.
Em mim pra ti
Nada tem pudor
És a minha falta de vergonha
Os versos que terminam no papel
Mas não param na inspiração
És os versos que sufoquei no proibido
Na jaula da solidão que me é natural
Na ilegalidade do meu âmago
O teu trabalho é a estética
A forma que se dá ao que se habita
Mas tua morada em mim
É tão sem nexo
Tão sem forma
Tão gigante quando tem que ser
E tão pequena para ter tanta leveza
Fraturaste uma fraqueza
Que pensava ser meu sustento
Uma fome exacerbada
Que pensava ser meu alento
É isso
Desmembraste um corpo sólido
Que poderia ser minha saúde
E o transformaste em algo indefinível
Que acompanha o movimento das palavras trocadas
És um vento dinâmico
Que se abriga em qualquer lugar
E a qualquer tempo
Em qualquer lugar que eu esteja
E a qualquer tempo do meu relógio parado.
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