É engraçado como a vida me acontece em etapas, intervalos, de uma forma irreverente e espontânea.
Eu, já tão velho
Eu já tão desgastado pela dureza da vida
Eu já tão reformado em retalhos
Já tão dilacerado por tantas emoções
Nenhuma tão relevante
Nenhuma tão producente
Nenhuma tão nobre
Eu já tão calejado por palavras
Já tão completo pela teoria
Já tão instruído dos males e firmes do amor
Já tão informado das faces duras da dor
Me vejo como nunca me vi
Não me reconhecendo em mim
Com uma dor sem motivo
Com uma ansiedade inebriante
Eu cai e não levantei
Me joguei e não me ergui
Me afundei onde muitos homens não puderam voltar
Me vejo agora dentro do que conhecia apenas em canto
Sou agora a personagem angustiada das minhas histórias
Aquela que se desfigura
Que se refrata
Que se dispõe a ser o que é em sua plenitude
Que se faz transparente e dinâmico
Que se entrega em pura paixão
Agora falo com mais propriedade
Pobres dos homens apaixonados
Fadados a dor confortável da saudade
De se esperar o que não chega na hora que deveria
Que não dá chance ao alivio
Quando a minha rosa se mistura com o feto
E a poesia transpira a dor que vicia
Que não deve cessar
O aperto no peito
O suor na cabeça
As mãos que também transpiram
Em pleno movimento de expectativa
Em plena fantasia de anti-reciprocidade
Eu vejo agora
Porque nas mentes inebriadas que eu descrevo
O mundo deixa de ser suficiente
A solidão deixa de ser companheira ideal
E tudo se torna pouco
O eu é muito pouco
O tu é tão distante
E o nós é o único produto sustentável da vida que agora recomeça.